O nível do esporte transforma baías e lagoas em diversão competitiva e responsável

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Percepção de segurança na va'a
“Nem todos precisam mirar o alto rendimento, as condições mais desafiadoras; mas, quando for o caso, é crucial que essas provas tenham o suporte necessário dos clubes”, opina João Castro. Foto: @vandrei_st / @fotopbroficial

Inspirado pelo último texto “Quando o mar assusta e a baía vira zona de conforto”, escrito por um de nossos mais atuantes colunistas, o Alfredo Piragibe, do qual sou leitor assíduo e gosto muito da forma com que ele escreve e pensa, senti a necessidade de colaborar divergindo em parte, e trazendo algumas reflexões sobre temas como “público-alvo”, “segurança”, “eventos oficiais”, “lagoas”, “mar” ou “águas abrigadas”.

 A Va’a atingiu sua maturidade como modalidade, e o desafio agora é sustentar esse crescimento. Para que ela se mantenha forte ou avance ainda mais, os clubes têm um papel vital. Cabe a eles não apenas treinar atletas, mas também identificar e desenvolver suas diferentes motivações — um trabalho que começa muito antes das competições. Saber distinguir e preparar quem almeja o alto rendimento daqueles que buscam principalmente a socialização, orientando cada um sobre os eventos mais adequados, é uma responsabilidade dos clubes e também dos próprios remadores.

Para que as competições ofereçam a melhor experiência, é fundamental que as bases façam uma pré-seleção, direcionando os atletas para eventos alinhados com seus objetivos. Nem todos precisam mirar o alto rendimento, as condições mais desafiadoras; mas, quando for o caso, é crucial que essas provas tenham o suporte necessário dos clubes.

Em minha opinião, a questão central não é a profundidade da lagoa de Saquarema ou o fato do campeonato estadual, conforme criticado por nosso colunista, alterar o percurso da prova devido a uma “leve brisa”. Na minha opinião, o essencial é assumir com responsabilidade o que se oferece e para quem se oferece. Nesse sentido, se a decisão do estadual foi pautada pela segurança ou mesmo pela precaução, optando por um percurso mais seguro ainda que menos emocionante, é uma atitude que eu aplaudo. Uma entidade oficial, como uma federação ou confederação, tem uma exposição gigante no ecossistema do Va’a. Uma única escolha mal feita, que resulte em um acidente, pode trazer consequências extremamente negativas para todo o setor.

“Uma única escolha mal feita, que resulte em um acidente, pode trazer consequências extremamente negativas para todo o setor.”

Concordo com nosso colunista que os eventos oficiais precisam ousar. No entanto, para que essa ousadia seja sustentável, as organizações devem ter a capacidade de selecionar apenas participantes com o nível técnico necessário. Atualmente, a redução no número de inscrições gera uma receita insuficiente, o que inviabiliza a realização dos próprios eventos. O ideal seria receber apenas atletas e times com alto nível, como campeões estaduais ou nacionais, para elevar o padrão competitivo. Porém, na prática, esse equilíbrio entre exigência técnica e viabilidade financeira é um grande desafio.

No evento que realizamos, o Aloha Spirit, valorizamos todos os níveis. Os participantes amadores são essenciais para a sustentabilidade financeira, enquanto os profissionais exercem um papel inspirador: são os ídolos que, ao competirem nas mesmas provas, motivam a base a ascender ao alto rendimento. A mera presença desses atletas, interagindo e largando ao lado de todos, já exerce uma influência poderosa no fomento do esporte. Esse é, repito, o PAPEL – e não uma obrigação – que apenas os competidores verdadeiramente visionários compreendem e abraçam.

Responsabilidade dos clubes x organizadores

IRON VA’A tinha a proposta de ser uma prova desafiadora, porém, a falta de preparo de algumas equipes que insistiram em participar tornou a realização do evento muito arriscada. Foto: Luciano Meneghello

Mas, voltado à questão da responsabilidade dos clubes, é válido citar um bom exemplo: o SAMPA Canoe Clube, de São Paulo. Lembro-me de uma etapa do KOPA, há muitos anos, na qual o técnico da base proibiu seus atletas de entrarem no mar – e todos acataram a decisão. Percebe-se que no clube há uma forte cultura de orientação, que define claramente o que é ou não adequado para cada remador. Essa conduta, exercida com autoridade sem soberba e abertura para flexibilidade quando necessário, parece ser a verdadeira fórmula do sucesso.

Anos atras realizei a IRON VAA onde a proposta era de mar realmente duro e arriscado, mas não segui com o projeto quando fiquei sabendo que uma das equipes cogitou levar um tipo de escadinha para que seus remadores conseguissem subir de volta, em caso de Huli, pois nos treinos eles não conseguiram.

Já tentei organizar competições em condições mais extremas, com regras que tornavam itens como barco de apoio e saia obrigatórios. A alta exigência, porém, foi o principal motivo para a baixíssima adesão e, como consequência, para os prejuízos financeiros que inviabilizaram os eventos.

W2 Downwind em 2014 ou 2015, tínhamos a previsão de um mar realmente duro e técnico e me vi frente a frente com 300 atletas individuais. Eu conhecia a maioria e sabia quem estava lá achando que era só uma prova de longa distância e quem estava preparado. Frente a este problema, obriguei no ano seguinte que cada um comprasse um localizador via satélite, o SPOT, e o número de inscritos caiu para 50 apenas.

“Por fim, não se pode ignorar o “tribunal virtual” formado por grupos de WhatsApp e redes sociais.” 

Por fim, não se pode ignorar o “tribunal virtual” formado por grupos de WhatsApp e redes sociais. O organizador estrutura a segurança da prova com base em fatores objetivos: o número de remadores, a previsão do tempo, o ambiente e outros critérios técnicos, contando, é claro, com a premissa de que os inscritos acreditam ter condições de enfrentar o percurso. No entanto, quando um acidente ocorre, o primeiro—e muitas vezes único—réu no poderoso e viral ambiente digital é o organizador. Nesse cenário, cabe questionar: onde estão os treinadores e clubes, cujo papel de orientação é fundamental? E onde está a autorresponsabilidade do atleta, que deve discernir se aquele desafio está ou não dentro de seus limites?

Não existe segurança 100% garantida por qualquer organização, guardem isso! A segurança próxima do 100% só se alcança quando treinadores, clubes e atletas entendem que cada um é responsável em parte por isso.

Este debate é uma delícia! É o tipo de debate que eu adoro ter, e já me veio a ideia da LIVE e de ser tema para o encontro que vai acontecer em Saquarema 2026.

Eu acredito que provas de alto rendimento podem acontecer no mar, em lagoas ou mares abrigados, mas se queremos ter desafios maiores precisamos parar de culpar terceiros como, organizadores e entidades e trazer este debate para a superfície rodeada de clubes.

Gostaria de reiterar minha grande admiração por Alfredo Piragibe. Seu texto é sempre preciso e suas reflexões, corajosas, pois apontar questões delicadas não é uma tarefa para qualquer um. No entanto, estou certo de que o objetivo das entidades que regem a va’a é sempre buscar o melhor para a modalidade. Vamos apender todos com esta passagem?

Aloha

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