
Expedição 71 km | Montenegro x Porto Alegre
Montenegrinos , integrantes da Equipe Extra Eco Adventures, remam mais de 70 KM até o cais Embarcadero em ... leia mais
Uma reportagem publicada esta semana no The Guardian, um dos jornais de maior prestígio no mundo, trouxe à tona uma aventura extraordinária e de grande relevância acadêmica para a canoagem moderna. Uma equipe de cientistas e remadores recriou uma jornada de 30.000 anos, remando 225 km em mar aberto, de Taiwan ao Japão, em uma canoa construída com técnicas da era paleolítica.
A expedição, que mais parece um roteiro de filme, nasceu de uma pergunta simples do antropólogo Yousuke Kaifu, da Universidade de Tóquio. Ao analisar artefatos de 30.000 anos em uma escavação nas ilhas de Okinawa, ele se questionou: como os humanos chegaram até ali com tecnologia tão rudimentar?
“Pensei o quão incrível foi eles terem alcançado aquelas ilhas com uma tecnologia tão simples. Eu queria vivenciar isso”, disse Kaifu ao The Guardian.
O primeiro obstáculo foi construir a canoa. Como qualquer embarcação paleolítica original teria se desintegrado há milênios, a equipe teve que começar do zero. As primeiras tentativas com jangadas de bambu e junco falharam nos testes em mar aberto; eram lentas demais para vencer a Corrente de Kuroshio, uma das mais fortes do mundo, que era ainda mais intensa na época da travessia original.
“Através desses experimentos fracassados, aprendemos gradualmente a dificuldade da travessia, mas, ao mesmo tempo, sabíamos que o povo paleolítico esteve na ilha. Eles tiveram sucesso, então deveria haver uma solução que nós ainda não havíamos encontrado“, explicou Kaifu.
A solução veio na forma de uma canoa escavada em um único tronco, feita de cedro japonês. Batizada de “Sugime”, a embarcação era pesada e instável, mas funcional — uma réplica plausível do que os antigos migrantes poderiam ter usado.
A equipe de cinco pessoas, composta por cientistas e remadores profissionais, partiu da baía de Wushibi, em Taiwan. O desafio era imenso: a ilha de destino, Yonaguni, que pertence ao Japão, não é visível da costa, e o tempo no dia da partida estava ruim, com o céu nublado encobrindo as estrelas que serviriam de guia.
Sem a navegação celestial, a equipe recorreu a uma técnica ancestral, dominada por polinésios e micronésios: monitorar a direção constante da ondulação do mar (o swell) para manter o rumo.
A jornada se transformou em uma prova brutal de resistência humana. Foram 45 horas de remada contínua, enfrentando dores musculares, fadiga extrema, cãibras e até alucinações. O diário de bordo da expedição descreve o sentimento da equipe: “Cercados apenas pelo mar, nuvens e céu, eles estavam incertos sobre sua posição.”
A chegada teve um toque agridoce. A quase 40 km de distância, a equipe avistou a ilha não por sinais naturais, mas pela luz de um farol moderno, o que Kaifu considerou “infeliz” para a pureza do experimento. No entanto, o momento mágico da descoberta ancestral não foi perdido:
“O momento lindo para mim foi a hora do amanhecer [do dia anterior], o sol estava nascendo e o céu ficou gradualmente claro, e vimos as nuvens no horizonte. Mas em um ponto do horizonte as nuvens eram diferentes, então deveria haver algo sob as nuvens. Aquele foi o momento em que tivemos certeza de que a ilha estava lá. Assim como os povos antigos, os ancestrais, foi bom capturar a ilha a partir de sua assinatura natural.”
Realizada em 2019 e com os resultados publicados agora, a expedição provou que a travessia era, de fato, possível. O estudo desafia a percepção pública de que os povos paleolíticos eram intelectualmente “inferiores”, destacando que eles realizaram feitos extraordinários com a tecnologia limitada que possuíam.
A jornada da “Sugime” é mais uma prova de que as migrações marítimas antigas não foram derivas acidentais, mas sim viagens intencionais, que exigiam habilidade, força, conhecimento do oceano e uma dose considerável de bravura.
Para ler a reportagem do The Guardian, clique AQUI.
Fontes: The Guardian e University of Tokyo