Brasília na contagem regressiva para o Brasileiro de Va’a Velocidade
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O surf de canoa foi a primeira forma com que os polinésios estabeleceram contato com as ondas e a relação desse povo com essa embarcação é umbilical.
Afinal, a canoa desde sempre foi a forma de transporte em toda Polinésia. Usadas não só para percorrerem distâncias colossais no oceano, bem como na mais elementar das locomoções entre uma praia a outra.
Uma maneira rápida e eficaz de se transportar pessoas, suprimentos e comunicação.
Porém, à medida em que os anos passam, o que antes era um veículo de sobrevivência tornou-se também uma excelente fonte de diversão.
Dessa forma, da profunda conexão dos polinésios com o mar, obviamente também estavam incluídos os momentos de lazer e assim, muito provavelmente, surgiu o surf de canoa polinésia.
Não há um consenso sobre quando e em que ilha da Polinésia a prática do surf em canoas surgiu, mas supõe-se que está atrelada aos primeiros povoados, em Tonga e Samoa.
O primeiro registro foi feito pelo capitão inglês James Cook, no Taiti, durante a primeira de suas três expedições à Polinésia.
Após ouvir os relatos de membros de sua tripulação sobre a destreza dos nativos e suas canoas em meio ás ondas, o capitão foi conferir com seus próprios olhos e ficou impressionado:
“Não pude deixar de concluir que esse homem sentia o maior e mais supremo prazer enquanto deslizava tão veloz e suavemente pelo mar”, escreveu em seu diário de bordo.
Sendo a canoa, o elo entre todas as populações da polinésia, não é de se admirar que essa atividade também fosse praticada em outras ilhas.
Anos mais tarde, em sua terceira expedição, Cook descobriu o Havaí, onde observou uma relação mais intensa dos nativos com as ondas, tanto em canoas, como em enormes pranchas de madeira.
Havia, inclusive, apresentações restritas à nobreza e havaiana e alguns convidados, onde ninguém mais poderia entrar na água, mas, apenas observar o show da areia.
E se realeza tinha uma vantagem sobre a prática, os pescadores eram considerados os melhores surfistas, muito em parte por seu admirável preparo físico (como você deve imaginar, lançar-se pelo mar aberto e voltar com uma canoa cheia de pescado era uma atividade que demandava uma tremenda força).
Passaram-se os anos, vieram os europeus e muita coisa mudou. Mas alguns aspectos essenciais da cultura polinésia mantiveram-se vivos.
Da tradição ocidental da organização de grupos e agremiações surgiu, no Havaí, o primeiro clube de canoa e surfe.
Fundado em 1908 pelo jornalista e empresário Alexander Hume Ford, o “Outrigger Canoe Club” teve um papel importantíssimo na difusão do va’a como um esporte.
Em resposta à criação deste clube, formado basicamente por não nativos, o Hui Nalu (clube das ondas) fundou pouco tempo depois um clube para havaianos nativos na mesma praia.
Mas o clima era amistoso. Duke Kahanamoku, por exemplo, um dos co-fundadores do Hui Nalu, era também membro do Outrigger Canoe Club. Estes dois clubes desenvolveram uma rivalidade amigável, que abasteceu ainda mais a paixão na ilha de Oahu pelos esportes aquáticos.
O surfe de canoa era muito procurado pelos turistas. Afinal, bastava um bom leme e alguma noção de remada para desfrutar o supremo prazer de se deslizar pelas ondas à bordo de uma canoa.
As condições de Waikiki obviamente eram um facilitador a essa prática. Largos canais e bancadas seguras, sobre as quais ondas longas e amigáveis quebravam, proporcionavam o ambiente perfeito para entrar em sair do mar em segurança.
Em 1926 as primeiras mulheres começaram a se aventurar no surfe de canoa, e desde então são presença constante em todos os clubes.
A canoagem polinésia cresceu através de várias vertentes (canoa havaiana, taitiana, neozelandesa) e hoje existem clubes espalhados por todo mundo.
Já o surfe de canoa mais difundido é o praticado em uma OC-4 (canoa havaiana para quatro pessoas) com bastante curva de fundo de casco.
Quem pratica afirma que é uma das formas mais prazerosas e emocionantes de se deslizar pelas ondas, como afirma o havaiano Matthew Thayer, um dos mais atuantes divulgadores da modalidade:
“Não há nada como sentar em uma canoa e surfar uma onda grande. À medida que a gravidade e a energia tomam conta, o casco corta a face da água e a linha d’água torna-se vertical, você experimenta uma sensação maravilhosa, é quase melhor de sexo para mim”, revela.
Thayer, no entanto, esclarece que o melhor do surfe de canoa não se resume à adrenalina e ao prazer de se deslizar por uma onda. Há um aspecto de verdadeiro trabalho em equipe e camaradagem que torna este esporte aquático tão especial:
“Você combina o contato com o oceano, um passeio na ‘montanha-russa líquida’ criada pela Mãe Natureza e compartilha tudo isso com seus amigos. O resultado disso é o que podemos chamar de dia perfeito!”, conclui.
Contudo, mesmo sendo muito prazeroso, surfar em uma canoa OC-4 envolve um alto grau de risco, principalmente se as condições de mar não são propícias.
Em dezembro passado, o big rider havaiano Mark Healey recebeu um convite de Ikaika kalama para sessão de surfe de OC-4 em Waimea Bay.
Acostumado a dropar as maiores ondas do mundo, Healey, contudo, revelou que quase declinou o convite por conta dos riscos que envolvem esse tipo de surfe:
“Todos os caras que surfam de canoa que eu conheço parecem jogadores de hóquei, cheios de cicatrizes, com dentes ou alguma parte do corpo quebrados”, revelou.
No fim, ele acabou aceitando o convite e fez parte de uma das sessões de surfe da canoa mais insanas da história.
Healey entende de riscos e sabe que uma canoa do tamanho de uma OC-4 pode machucar muita gente – e machucar seriamente.
Há um movimento emergente no Brasil de clubes divulgando a prática do surfe de OC-4 e nós fomos a primeira mídia especializada a dar espaço a essa modalidade.
Eu mesmo escrevo há anos sobre o surfe de canoa havaiana, inclusive para outros sites, como no caso desse texto aqui escrito para o Waves, em 2017, que serviu de base para essa matéria.
Acontece que se as condições não forem propícias, ou seja, uma praia com canal onde não quebram ondas e, de preferência, com uma bancada mais afastada e sem a presença de outras pessoas, como surfistas de pranchinha, por exemplo, a canoa deve ficar na areia ou longe da arrebentação.
O risco de machucar alguém seriamente quando se coloca uma canoa OC-4 para surfar no meio de um crowd de surfistas, ou próxima à banhistas, é muito alto e deve ser evitado.
Não restam dúvidas de que surfar de OC-4 seja uma atividade alucinante, porém, deve ser praticada com o máximo de responsabilidade e nas condições ideais.
Cabe aos clubes que estão levando a modalidade à frente terem em mente essa consciência de forma que a modalidade cresça por aqui de forma responsável.
Respeite as condições do mar, as pessoas a sua volta e boas ondas.
Aloha