Alexandre Takeo | Session tubular na Ilha da Magia
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Se você acompanha o desenvolvimento institucional do stand up paddle brasileiro, deve estar acompanhando a movimentação política em torno da troca de comando na Confederação Brasileira de Surf (CBSurf).
Se ainda não se inteirou sobre o assunto, seria bom prestar atenção, pois esse é um acontecimento que certamente trará consequências institucionais para o SUP.
Isso porque, desde que a ISA (International Surfing Association) passou a realizar mundiais de SUP, a CBSurf, representante legal da entidade no Brasil, é quem tem a palavra final sobre a definição de uma seleção brasileira em eventos oficiais aos quais a ISA está integrada.
Na raiz desse interesse pelo stand up paddle, está a possível inclusão da modalidade nos jogos olímpicos, o que gerou uma batalha entre ISA e ICF (Federação Internacional de Canoagem) pelo direito de representar o SUP nas Olimpíadas.
A disputa, vencida pela ISA, deu mais legitimidade à CBSurf para esse trabalho no Brasil, ainda que o stand up paddle nacional já conte com uma confederação independente legalmente reconhecida, a CBSUP.
Ambas as entidades, CBSUP e CBSurf, trabalham hoje em forma de parceria. Mas nem sempre foi assim.
Dessa forma, vale a pena uma contextualização da situação antes de avançarmos.
Em 2012 a ISA realizou o primeiro mundial de SUP e Paddleboard de sua história. A competição teve como cede a cidade de Lima, capital do Peru.
Naquela época, o circuito brasileiro de Race acabara de completar seu primeiro ano de existência (2011) e a CBSUP dava seus primeiros passos, atuando institucionalmente como uma associação: “ABSUP – Associação Brasileira de SUP”.
Competições de Race, por sua vez, eram uma novidade no Brasil, com poucas provas e poucos atletas realmente correndo o circuito brasileiro e a CBSurf, sem alternativa, acabou por fazer sua convocação baseada no ranking da ABSUP.
Com o Wave, cujo ranking nacional chancelado pela ABSUP existia desde 2009, a convocação seguiu o mesmo critério.
No entanto, para o Mundial de 2013, que também seria realizado no Peru, uma grande polêmica se formou, pois, a CBSurf resolveu fazer, por conta própria, uma seletiva sem respeitar o ranking da ABSUP.
Para piorar, as “seletivas” da CBSurf foram, na verdade, provas incorporadas a eventos de surfe chancelados pela entidade, e todos realizados no Nordeste.
Muitos atletas, sobretudo aqueles que moravam em outras partes do Brasil, protestaram e não participaram das seletivas, pressionando a CBSurf para aceitar o ranking brasileiro da ABSUP.
Vale ressaltar que a partir de 2012, o Brasileiro de SUP Race começou a bombar, com etapas de alto nível e remadores realmente fortes na categoria Profissional correndo todas as etapas.
Ainda assim, a CBSurf insistiu em validar sua seletiva e só depois de muito protesto, acabou aceitando considerar também o ranking brasileiro da ABSUP na convocação.
Dessa forma, foram convocados os campeões da seletiva regional da CBSurf e os campeões da ABSUP (cada país poderia levar dois atletas masculinos na categoria Race).
Assim, lamentavelmente, o Brasil viajou ao Peru com uma seleção desnivelada, formada por atletas medianos sendo carregados por atletas de alto rendimento.
Imagine você ter à disposição nomes como Renato Spiritus, Paulo dos Reis ou Vinnicius Martins e não convocar nenhum deles? Pois, por razões políticas, foi exatamente isso que aconteceu. (Só por curiosidade, dê uma olhada aqui pra ver como era forte o ranking brasileiro em 2012).
O resultado não poderia ser diferente, e o Brasil, que tinha tudo pra disputar pelo menos a prata, não ficou nem entre as quatro nações primeiras colocadas naquele Mundial de 2013.
Na época, tal acontecimento gerou bastante polêmica e poderia ter desencadeado uma guerra entre ambas as entidades, no entanto, graças a um trabalho muito bem feito de bastidores, teve um desfecho conciliatório.
Dois personagens foram fundamentais para isso: José Augusto, representante do stand up paddle dentro da CBSurf, e Ivan Floater, presidente da CBSUP (na época, ainda ABSUP).
Os dirigentes chegaram a um acordo de que a partir de então, o ranking brasileiro se tornaria a base para a convocação da seleção brasileira nos mundiais da ISA.
Não por coincidência, no ano seguinte, em 2014, na Nicarágua, nossa seleção, agora convocada somente através do ranking brasileiro, conquistou a inédita medalha de bronze.
Mas, se no campo da diplomacia as coisas caminharam de uma forma positiva, os atletas brasileiros nunca contaram com nenhum tipo de apoio financeiro, tendo que assumir todas as despesas de viagem.
A CBSUP nunca conseguiu captar apoio governamental para bancar essas viagens, ainda que em alguns anos assumiu as despesas das inscrições, que no caso dos mundiais da ISA são bastante altas.
As empresas do segmento também não tiveram condições de bancar uma seleção inteira, e os apoios acabaram sendo feitos de forma individual ou na confecção dos uniformes da equipe.
Por sua vez, a CBSurf que também não contava com apoio governamental, jamais deu algum tipo de suporte financeiro. Mas a situação iria mudar a partir do momento em que o surfe se tornou esporte olímpico.
Dois fatores são muito importantes para entendermos o que vem pela frente:
O primeiro, a inclusão do surfe nos jogos olímpicos elevou o status da CBSurf e trouxe uma série de vantagens que isso acarreta, pelo menos em tese, como maior visibilidade e apoio governamental.
O segundo fator foi o trabalho muito bem feito pela ISA nos bastidores olímpicos, para fazer com que o COI (Comitê Olímpico Internacional) aceitasse o stand up paddle como uma “modalidade de surf”.
E aqui cabe um parêntese, pois, nesse caso, pouco importa a impressão subjetiva de quem acha que surf e stand up paddle não tem nada a ver. Essa questão é irrelevante, em termos objetivos, a essa questão.
Objetivamente, o COI demonstra estar inclinado a aceitar o pacote da ISA e é provável que já em 2024 teremos os primeiros campeões olímpicos de SUP da história.
De concreto, tivemos, em 2019, o stand up paddle competindo pela primeira vez dentro do círculo olímpico, nos Jogos Pan-Americanos, onde o SUP foi apresentado como uma “modalidade de surfe”.
E a participação do SUP foi decisiva para o sucesso da campanha da CBSurf no evento. Três, das quatro medalhas conquistadas pela seleção brasileira no Pan vieram do stand up paddle, sendo um ouro (Lena Guimarães), uma prata (Vinnicius Martins) e um bronze (Nicole Pacelli).
Um resultado que mostrou o potencial estratégico que a modalidade tem junto ao time brasileiro de surf em jogos ligados ao COI.
Contudo, é fundamental que o stand up paddle receba mais apoio, sob risco de perdermos uma geração inteira de grandes atletas.
Chegamos, portanto, ao momento atual.
De acordo com o Artigo 18 do estatuto da CBSurf, novas eleições deverão ser feitas no último semestre do quarto ano de mandato, que, no caso, é agora: 2020.
Ou seja, o atual mandato acaba em 31 de dezembro e a CBSurf deve convocar as eleições entre 60 a 30 dias do fim de sua gestão.
A eleição é feita por meio do voto de um representante de cada uma das 15 federações estaduais de surfe filiadas à entidade, mais cinco representantes de atletas com direito a voto, sendo um, entre esses cinco, representando a escolha dos atletas de stand up paddle, totalizando 20 votos.
Duas chapas já se formaram para concorrer ao comando da entidade: “Surfa Brasil”, presidida por Jojó de Olivença e “Nação Surf Brasil”, presidida por Ricardo Bocão.
Ambas já estão em campanha apresentando projetos muito bem montados e com nomes de peso para seus quadros.
Em relação ao stand up paddle, a chapa “Nação Surf Brasil”, de Ricardo Bocão, já tem, inclusive, um representante do SUP: Américo Pinheiro.
Ex. competidor profissional de SUP Race, Américo é técnico de Lena Guimarães e também já atuou como técnico de dezenas de atletas de elite, não só no stand up paddle, como também em outras modalidades, como surfe e kitesurf, além de ter feito parte da comissão técnica do Brasil em diversas competições internacionais.
Em uma conversa informal, Américo revelou que está preparando um plano de ação que será apresentado nas próximas semanas, à medida em que a candidatura da chapa for oficializada.
Todavia, já é de conhecimento de todos que acompanham as entrevistas que vem sendo feitas (veja os vídeos abaixo) que a “Nação Surf Brasil” pretende estabelecer uma relação de parceria com a CBSUP, procurando integrar o SUP Wave a competições nacionais de Longboard e deixando as provas de Race a cargo da CBSUP.
Já a chapa de Jojó de Olivença, “Surfa Brasil”, ainda que não tenha sido muito clara em relação ao tipo de relação que pretende ter com o stand up paddle, sinaliza que adotará uma postura parecida.
Levando-se em conta todas as dificuldades enfrentadas pela CBSUP para emplacar um circuito nacional realmente forte para o SUP Wave ao longo dos anos, esse tipo de relação tem tudo para ser promissora.
Mas, se cada entidade resolver fazer um cabo de guerra para ver “quem manda mais”, da mesma maneira que aconteceu em 2013, então, teremos um retrocesso com consequências bem ruins, principalmente porque naquela época, o SUP estava crescendo de forma exponencial por aqui. Uma realidade diferente da que experimentamos hoje.
Todavia, assistindo às entrevistas, não me parece que isso irá ocorrer.
Agora, resta aguardar o comunicado oficial da CBSurf sobre as eleições. Em tese, a entidade poderá se pronunciar a partir de 31 de outubro.
Confira abaixo as entrevistas feitas por representantes de ambas as chapas para o canal “Surf Em Debate” do YouTube: