A grande jornada da Hōkūleʻa pelo Pacífico tem início no Alasca
Povos tradicionais do Alasca dão as boas-vindas à lendária canoa havaiana Hōkūleʻa que se prepara para ... leia mais
O Rio Itapanhaú é considerado o rio mais extenso do litoral paulista, com cerca de 40km de extensão.
Ele percorre seu caminho quase que inteiramente dentro da unidade de conservação do Parque Estadual Restinga de Bertioga, criado em 2010 para proteger os inúmeros ecossistemas e ambientes ali existentes.
A sua rica biodiversidade se desdobra nos aspectos da cobertura vegetal, com manguezais, restingas e florestas típicos da Mata Atlântica nativa.
Existem centenas de espécies de pássaros, répteis, anfíbios e mamíferos, dentre eles, os de grande porte como onça parda e muitas outras ameaçadas de extinção.
Há também na região antigos depósitos de conchas, os chamados sambaquis, resquícios de ocupação humana que podem remontar até 5 mil anos.
Além disso, a região abriga uma importante bacia hidrográfica dos rios Itapanhaú, Itaguaré e Guaratuba, com boa disponibilidade hídrica e ótima qualidade de água, fato esse que está seriamente ameaçado por grandes projetos de transposição de parte das águas do Rio Itapanhaú para abastecimento da região metropolitana de São Paulo e que pode causar um grande desequilíbrio ambiental na região.
Aliado a toda essa natureza, o local é próximo de Santos (SP), onde moro, e aparentemente não demandaria muita logística, principalmente pelas restrições devido à pandemia que estamos vivendo.
Outra coisa que me chamou a atenção foi que nas minhas pesquisas não encontrei relato sobre a descida a bordo de um Stand Up Paddle. Portanto, poderia seria uma boa oportunidade de uma travessia inédita de SUP Race.
Percorri virtualmente com o Google Earth, com muita atenção, toda a extensão o Rio Itapanhaú, desde a sua foz em Bertioga (SP) até o início de seu trecho de serra, e identifiquei algumas feições características de corredeiras nas suas partes mais altas. Com isso, um local em que poderíamos entrar e descer de SUP.
Já tinha reunido um grupo de remadores, não muitos, devido ao acesso restrito ao local e também para evitar aglomerações por causa da COVID-19.
O grupo foi formado então por mim, Ulisses Bicudo e Rodrigo de Deus. Posteriormente incluímos alguns amigos do grupo Monstros do Pântano Vicentino (MVP), de São Vicente (SP): Marcello Bullo, João Carlos, Roberto Melchior e Arlindo Florentino.
A data foi acertada como também as estratégias de logística, alimentação e navegação. Aguardamos também para checar as previsões meteorológicas da véspera. E assim foi feito.
No dia 12 de setembro (sábado), eu e o Rodrigo saímos de Santos em direção a Bertioga, onde encontramos com o Ulisses (que já tinha vindo de Sorocaba um dia antes).
O pessoal do MPV já se encontrava no Guarujá e seguiram para a trilha conforme combinado. Tínhamos também um apoio logístico de terra, que voltaria com os carros para Bertioga.
Nos encontramos no horário combinado, retiramos as pranchas dos carros, assim como também os equipamentos necessários: mochilas de hidratação, alimentação e afins.
Menos de 30m depois estávamos organizando a descida pelo barranco cheios de rochas escorregadias, na margem esquerda do Rio Itapanhaú.
Foi realmente um trabalho em equipe até colocarmos todos os equipamentos na água. O rio nesse local possui uma corredeira, e até onde pudemos verificar era impraticável a remada de SUP acima desse ponto.
Iniciamos a remada as 8h da manhã, envoltos em uma fraca névoa. As margens eram muito próximas e a natureza, de cara, se mostrou bastante exuberante, com grandes árvores repletas de bromélias à nossa volta.
O rio era muito raso e tinha muitos troncos e galhos de árvores caídos sobre ele, por vezes submersos e difíceis de visualizar nas sombras das árvores mais altas.
Tínhamos as vezes que remar com muita cautela, abaixar e desviar dos galhos e até andar sobre o leito, empurrando a prancha para passar pelos obstáculos naturais.
Por vezes, na ânsia de prosseguir com uma remada mais contínua, ficamos sujeitos às armadilhas e houveram algumas topadas de quilha e tombos naquela água gelada.
Barulhos dos pássaros e o cheiro da mata nativa eram fantásticos na medida que íamos descendo por suas curvas fechadas.
Após uns 3km o rio foi se alargando aos poucos e mesmo com as águas escuras os troncos já não eram mais uma preocupação e pudemos imprimir um melhor ritmo na remada.
Começamos a formar pelotões, com uns mais à frente fazendo esteiras e desbravando o rio e outros um pouco mais atrás, com uma cadência menor, mas todos com certeza aproveitando muito o visual que o rio mostrava a cada curva.
Avistamos apenas indícios de civilização, alguns barrancos e cercadinhos feitos de bambu, provavelmente utilizados por pescadores.
Plantas aquáticas (p. ex. elódea e cabomba) com seu verde intenso, eram muito frequentes e às vezes roçavam por debaixo da prancha quando navegávamos próximos às margens.
Seguimos avante e paramos pela primeira vez aos 12 km, nas proximidades do Jardim São Rafael, um bairro de Bertioga-SP (para juntar o grupo e seguir com nossa estratégia de alimentação e hidratação).
Notamos a dificuldade de remar sobre aquelas águas, por vezes pesadas, doces ainda, com pouca influência do mar.
Em um dos barrancos vimos umas crianças que sorriram e brincaram com a gente quando passamos por elas e também nos deparamos com uma senhora atravessando de canoa o rio, manejando com maestria seu remo de madeira.
A próxima parada foi no km 22, onde o rio apresentava baixa sinuosidade e suas margens já estavam muito longe entre si.
Já era enorme se comparado ao início da travessia. Passamos por um trecho mais habitado, com ranchos próximos da água, algumas marinas bem humildes, com seus barquinhos, canoas e caiaques.
A vegetação aquática predominante agora eram os aguapés, cujas raízes aéreas do manguezal já eram perceptíveis. Soprava um vento moderado que também segurava o nosso ritmo.
A medida que íamos avançando acompanhávamos visualmente a silhueta verde dos grandes paredões de rocha da Serra do Mar, que era um espetáculo à parte. O sol castigava bastante, bem como a maré, que era de lua nova e estava no auge de sua subida naquele momento, formando ondulações contrárias na superfície da água.
A ideia era utilizar a maré para nos ajudar a descer o rio, porém, nosso ritmo estava tão intenso, que ainda não tinha dado tempo para a inversão da maré. E já estávamos mais do que o terço final da travessia.
Nessa parte mais larga do rio era constante a presença de lanchas, barcos de pesca e também jet-skis. A próxima parada foi aos 28 km, logo após a ponte da BR-101. Encostamos na sua margem direita e notamos que a maré já tinha iniciado a sua descida.
Agora, com a maré a nosso favor, retomamos a remada com um ritmo bem mais intenso, bordejando agora sempre o lado esquerdo do rio e entrando no Canal de Bertioga, por volta do km 31.
Logo na entrada para o canal notamos que esse trecho não seria fácil, pois pegamos uma ondulação e um vento frontal terríveis.
Passamos pela balsa Guarujá-Bertioga e aí era só contornar os inúmeros barquinhos que ali se encontravam para termos uma vista perfeita do mar à nossa frente.
Chegamos na foz do Rio Itapanhaú, às margens do Forte de São João de Bertioga às 14h15, depois de percorrer cerca de 33km em mais ou menos 5h12m de remada. Exaustos, mas com sentimento de renovação e dever cumprido.
Daí para a frente foi só aguardar o grupo chegar, juntar todas as pranchas na faixa de areia em frente ao Forte e tirar aquela foto clássica de final de travessia.
Demos um tempo para a recuperação geral, hidratação e, depois de muitas conversas e risadas, iniciamos os procedimentos para retornar para casa.
Organizamos nossos equipamentos e amarramos as pranchas em seus devidos carros. Após as despedidas, estávamos seguindo cada um para seu destino, com a melhor sensação do mundo, uma mistura de merecimento, de cansaço, contentamento e de amadurecimento após os ensinamentos de mais uma travessia.
Agradecimentos ao Alexandre do grupo RA Canoagem, que foi muito gentil em compartilhar sua experiência e dicas sobre a descida do rio Itapanhaú. Ao Vagner Riesco por oferecer apoio logístico de barco.
Agradecimentos também para nosso apoio logístico de terra: Estêvão Furcin e sua esposa Valquíria (primos do Ulisses) além de Edilene (esposa do Bullo), Lucilene (esposa do Arlindo) e Carmem (esposa do João).
Aos nossos parceiros Sup Six Guarderia (Santos), Integral Surf Treino (Santos), academias Up Fit e Up Strong (Sorocaba), Vibe Ocean Team (São Vicente) e ao Luciano Meneghello – colunista e editor chefe do Aloha Spirit Club, pela amizade e divulgação do conteúdo SUP Extremo.
Agradecimentos especiais aos remadores que encararam esse desafio, por toda a amizade e espírito de companheirismo que demostraram durante a travessia. Juntos somos mais fortes mesmo.
Por último, agradecimentos mais que especiais para nossas famílias que nos apoiam em todos os momentos, dando todo o suporte emocional necessário para que estas travessias e expedições se concretizem.
Aloha!
Caio Coutinho – SUP Extremo